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Scot Consultoria

Será que a crise afeta o mercado de carnes premium?


Quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016 - 15h48

Reynaldo Salvador é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Marketing em Agronegócios pela ESPM.

Foi um dos idealizadores e responsáveis pela criação do Programa Carne Angus. Atualmente é diretor do Programa Carne Angus da Associação Brasileira de Angus.

Ele bateu um papo com a Scot Consultoria sobre este mercado.

Confira a entrevista na íntegra:

Scot Consultoria: As vendas de sêmen Angus têm superado as demais raças na maior parte dos estados. Isto é reflexo apenas dos programas de bonificação, ou há muitos produtores que investem apenas por questões zootécnicas?

Reynaldo Salvador: O Angus e o cruzamento industrial são uma realidade no Brasil. A técnica é conhecida há muito tempo pelos produtores e talvez seja o único "free lunch" do agronegócio. A heterose resultante do cruzamento agrega desempenho e eficiência dentro da porteira, um fato comprovado pelos pesquisadores do Clay Center a mais de 30 anos.

O Brasil já viveu um momento semelhante no final dos anos 90, onde o cruzamento foi usado de forma importante na pecuária, ainda sem a ferramenta da IATF, mas, naquele momento, não emplacou. Nós, produtores, cometemos uma série de falhas que comprometeram o processo, às quais elenco abaixo:

1) Manejo - Não estávamos preparados para lidar com as diferentes "exigências" de um animal cruzado. O meio sangue Taurino/zebuíno é um animal com maior potencial de crescimento, mas menos rústico que o zebuíno. Pecuaristas, técnicos e empresas de genética negligenciaram estes diferenciais, em especial a demanda nutricional diferenciada e a menor resistência aos endo e ectoparasitas. Muitos produtores tiveram insucesso com o cruzamento por não saber manejá-lo adequadamente.

2) Tipo de cruzamento - Em um cenário onde a pecuária nacional havia evoluído recentemente para um considerável grau de padronização, iniciamos um processo de "mestiçagem descontrolada" e não de cruzamento industrial. Cruzamos "tudo com tudo", fizemos um tipo de "poli-cross", com animais extremamente despadronizados. O Fábio Medeiros, que trabalha comigo na Angus, costuma contar em suas palestras sobre o abate técnico multi-raças que teve a oportunidade de julgar em Londrina, no Paraná. Naquele evento, foram apresentados animais de diferentes cruzamentos e constatou-se este fato de forma muito interessante. Animais com cruzamento Zebuíno/Taurino Continental, com carcaças extremamente pesadas, de excelente conformação e pobres em acabamento; animais cruza Zebuino/Taurino Britanico pequeno (Devon) com carcaças muito leves e acabamento exuberante; carcaças cruza Zebuino/Angus com bom acabamento e peso intermediário; carcaças zebuínas com ótimo peso e acabamento intermediário. Sem juízo de méritos, mas o que se produziu naquele dia (quase 100 animais), jamais encheria uma caixa de picanhas/filés/contra-filés padronizados, uma vez que gerava uma desuniformidade de produtos muito grande.

3) Direcionamento e valor da produção - Produzir uma carne de qualidade requer um trabalho e comunicação diferenciados. Naquela época, produzíamos estes animais cruzados e colocávamos sua carne na vala comum, misturada com as demais. Sem perceber a diferenciação e sem entender o que ocorria, tínhamos um processo de depreciação de valor da carne perante os consumidores, e não de agregação como deveria ser.

Visualizando esta situação, naquela época, tiramos da gaveta um projeto que há muito tempo desenhávamos, o Programa Carne Angus. Através dele, orientaríamos o produtor para evitar os erros de manejo cometidos outrora, direcionaríamos o tipo de cruzamento a ser empregado na pecuária nacional e diferenciaríamos a carne perante os consumidores para que seus atributos fossem conhecidos, entendidos e valorizados pelos consumidores.

Foi o que fizemos. Através do Programa Carne Angus conseguimos estruturar a cadeia produtiva. Em parceria com os frigoríficos criamos uma segmentação no mercado, onde a diferenciação pode ser percebida pelos consumidores, sendo comunicada de forma adequada. Isso criou, ao invés de uma despadronização, um novo padrão, com premiações e valorização ao longo de toda a cadeia produtiva.

Hoje, 9 de cada 10 animais nascidos de cruzamento no Brasil tem genética Angus. Estima-se o nascimento de cerca de 3 milhões de bezerros com genética Angus no Brasil no ano de 2015, um volume ainda pequeno, representando apenas 5,0% da produção nacional de bezerros, mas importante do ponto de vista do nicho de oportunidades que isto abre.

Em torno disso, houve também uma organização da cadeia produtiva como um todo, com mais orientação técnica e entendimento do animal cruzado. Para reforçar o time, estamos ainda trabalhando desde o inicio do ano passado com extensão rural e assistência aos produtores.

O perfil do produtor rural também mudou. Hoje cruzamento é ferramenta de propriedade tecnificada, que sabe o que está fazendo e com objetivos muito claros. Hoje o usuário de cruzamento Angus entende a importância da ferramenta e visualiza os ganhos tanto dentro como fora da porteira. 

Scot Consultoria: A elasticidade-renda da carne de maior valor agregado tem gerado queda nas vendas devido à crise, ou o viés de aumento deste mercado tem se mantido mesmo frente à economia? 

Reynaldo Salvador: A carne de qualidade (nicho de mercado) parece ter um comportamento diferenciado em relação às commodities. O que visualizamos no ano de 2015, contrariando a tendência global do mercado, é um crescimento da ordem de 20% no volume de carne Angus comercializada. Os consumidores deste nicho aprenderam a valorizar o produto diferenciado e não abrem mão da qualidade. O que observamos no último ano é que houve um aumento de procura por cortes alternativos aos clássicos, picanha, maminha e contrafilé. Entretanto não sabemos definir se este efeito é consequência de elevação de preços ou de uma evolução na "cultura da carne" de nossos consumidores, que têm experimentado cada vez mais esta nova etapa da gastronomia e do mercado da carne. 

Scot Consultoria: Qual seria a sua sugestão para um pecuarista que produz commodity começar a pensar em melhorar o seu produto? Em quanto tempo os resultados começam a chegar? 

Reynaldo Salvador: A produção de commodity é e sempre será o grande negócio do Brasil. Produtores mais tecnificados direcionados a produção de commodity podem também colher os frutos dos aumentos de produtividade obtidos com o cruzamento Angus, através da heterose. No Brasil temos linhagens de Angus disponíveis para ambas as funções/mercados. No entanto, chamamos sempre a atenção para que os produtores devam utilizar a genética adequada para o mercado que pretendam atingir. Nunca misturar as coisas, pois o insucesso é certo. Touros Angus de elevado potencial de crescimento e elevado tamanho adulto (frame 7) são ideais para produzir bezerros voltados ao mercado de commodity, por exemplo, e não são adequados para sistemas de terminação em pastejo. 

Scot Consultoria: Quais as expectativas para o mercado de carnes de qualidade em 2016? 

Reynaldo Salvador: O ano de 2016 promete algumas turbulências econômicas ainda, entretanto, vejo excelentes oportunidades para a pecuária, pois a desvalorização do real frente ao dólar, mesmo com a redução de crescimento da China, aciona o gatilho das exportações. A demanda mundial segue crescente e nosso produto de alta qualidade encontra-se, com o cambio atual, extremamente competitivo e demandado. O cambio também movimenta de forma muito intensa a exportação de gado em pé. Ambos os fenômenos têm forte impacto sobre o preço do bezerro, que é a mola mestra da pecuária. O pecuarista pode e deve manter seus níveis de investimento, pois a pecuária seguirá sendo um excelente negócio.


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